Flavio Rocha presidente da Riachuelo e do IDV.
Em tempos de crescimento mais fraco da economia, pelo menos um setor não tem muito a reclamar.
Por Guilherme BARROS [ISTO É DINHEIRO]
Na esteira do surgimento da nova classe média, o varejo tem crescido, na década, o dobro ou até o triplo do PIB. Desde o início do ano na presidência do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), o empresário Flávio Rocha, 54 anos, presidente da Riachuelo, afirma, nesta entrevista, que chegou a hora e a vez do varejo. “O varejo será a locomotiva do Brasil”, diz. Segundo ele, as condições estão prontas para isso. O que falta, agora, ser atacado é o custo Brasil, o inimigo número 1 do País. “Há um esforço grande do governo, mas o excesso regulatório é irracional”, afirma.
DINHEIRO – Esta é a década do varejo no Brasil?
FLÁVIO ROCHA – Foi, sem dúvida, a década do varejo. Nos últimos dez anos, o varejo no País cresceu acima do PIB. O momento da virada foi em 2003. Desde então, o varejo cresce o dobro ou até o triplo do PIB. Mas, apesar disso, o nosso varejo ainda é raquítico. Temos estudos que mostram que o varejo representa apenas 14% do PIB. Já o setor de serviços equivale ao de outros países, perto de 30%. Em qualquer país relevante, o varejo corresponde a 30% do PIB. Nos Estados Unidos, é 28%. No Japão, 30%, e na Espanha, 32%. Ou seja, temos realmente um varejo muito aquém do necessário.
DINHEIRO – E a que o sr. atribui esse raquitismo?
ROCHA – Primeiro, porque o varejo é o mais atingido por uma triste peculiaridade brasileira, que é a da clandestinidade da economia. Metade desses 14% do PIB está na informalidade, o que impede um avanço maior. O varejo tem tudo para ser a locomotiva da economia, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos. A economia americana era impulsionada pela indústria e agricultura, mas, nos anos 1980, passou a ser puxada pelo varejo.
DINHEIRO – Qual foi a razão?
ROCHA – O grande responsável foi o leitor do código de barras. Adam Smith (1723-1790), que não pode ser acusado de desinformado ou de não ter sido uma pessoa brilhante, dizia que existiam dois setores produtivos, a indústria e a agricultura, e um setor parasita, o varejo. E ele não estava errado. O varejo foi, durante muitos anos, um ator coadjuvante na economia. Isso começou a mudar quando o código de barras transformou as relações econômicas como nenhuma outra inovação tecnológica na história.
DINHEIRO – Como isso aconteceu?
ROCHA – Informação é poder. Na década de 1980, o comando da economia estava concentrado no quartel general da grande corporação industrial. Quem dava as cartas na cadeia do têxtil nos Estados Unidos? A Levi’s, a maior fabricante de roupa do mundo na época. O varejo era atomizado, precário. Com o código de barras, se começou a construir e organizar uma massa de informações gigantesca, uma pesquisa de mercado em tempo real, que colocou nas mãos do varejo um poder que nenhum elo da cadeia jamais conseguiu. Com isso, o poder começou a migrar da indústria para o varejo. Hoje, quais são as maiores marcas de têxteis? São a Zara, a Prada, a Gucci, a HM, todas marcas do varejo. O varejo conquistou essa posição privilegiada porque pode farejar as mais sutis sinalizações da vontade do consumidor com os seus narizes eletrônicos.
DINHEIRO – Essa migração de poder também ocorreu no Brasil?
ROCHA – Num País com uma das maiores cargas tributárias do mundo, a informalidade excessiva do setor acaba se tornando um empecilho para a expansão do varejo. A banda informal não cresce porque não pode atrair a atenção das autoridades, e a formal, por sua vez, sofre com o problema da iniquidade concorrencial. O varejo informal vive uma espécie de síndrome de Peter Pan. O setor todo se torna ineficiente.
DINHEIRO – Não há agora um processo de formalização no varejo?
ROCHA – Sim, esse processo altamente salutar começa a acontecer. O varejo tem de sair do papel de coadjuvante para ser a locomotiva, como aconteceu nos Estados Unidos. Demorou, mas chegou a hora de o varejo assumir essa condição de locomotiva.
DINHEIRO – O que isso significa?
ROCHA – Significa que o varejo tem condições de chegar a 30% do PIB em dez anos. É o que miramos.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem feito desonerações de tributos
DINHEIRO – A que o sr. atribui esse processo de formalização do varejo no Brasil?
ROCHA – Há várias razões. Em primeiro lugar, a nota fiscal eletrônica. Outra razão é a penetração cada vez maior do cartão de crédito. Não se consegue manter clandestina uma operação feita no cartão. Afinal, como declarar 100% das vendas no cartão? Ninguém vende 100% no cartão. Como é crescente essa participação, muitos varejistas estão sendo forçados a se formalizar. Por fim, a substituição tributária, que, apesar dos vários erros de interpretação, também contribui para esse processo de formalização.
DINHEIRO – A medida do governo de desonerar a folha de pagamento também contribui?
ROCHA – O governo está tendo a sensibilidade de reduzir gradualmente as alíquotas de impostos e isso vai certamente ajudar a acelerar a formalização do setor. O mais importante é que essa redução gradual das alíquotas vai provocar um aumento da arrecadação tributária.
DINHEIRO – O surgimento da nova classe média no Brasil também contribuiu para o fortalecimento do varejo?
ROCHA – Nós vivemos uma década que pode ser chamada de o verdadeiro milagre brasileiro. Uma nação que nos envergonhava por ter os piores indicadores de índice Gini de distribuição de renda se transformou num País de classe média. O principal fator para essa mudança foi a evolução do crédito. E o varejo teve um papel fundamental nesse processo. Através de sua capilaridade, foi essencial para a expansão e democratização do crédito. Só o varejo sabe emprestar para a baixa renda. O sistema financeiro está preparado para emprestar para bancos e para grandes empresas, e não para transações com prestações de R$ 12, de R$ 15. Só o varejo tem essa tecnologia. Foram as parcerias do sistema financeiro com o varejo que democratizaram o crédito no Brasil.
DINHEIRO – Como o sr. vê o governo Dilma?
ROCHA – O governo Dilma elegeu um rumo importantíssimo. Enxergou que tivemos uma década de estímulo à demanda, mas agora o inimigo público número 1 a ser atacado é o custo Brasil. O governo percebeu isso. Focar só na demanda não é mais sustentável. É como uma fazenda em que você direciona todos os seus esforços para a colheita e se esquece do plantio. O governo está sensível a isso. Mas há ainda forças opostas dentro do próprio Estado que atrapalham esse processo. Enquanto a presidenta Dilma e o ministro Mantega fazem um esforço brutal para desonerar a folha de pagamento, outros segmentos do Estado se movimentam na direção contrária. São segmentos que se mantêm num ativismo de excesso regulatório às vezes absurdo e, muitas vezes, aparelhado ideologicamente. O empresário sabe do que eu estou falando. É excessivo e esse hoje é o maior responsável pelo custo Brasil. Os juros estão caminhando para um equacionamento, o câmbio também evoluiu muito, há um esforço de avanço do governo, mas esse excesso regulatório é irracional. São duas bandas do Estado remando em direções opostas. Uma ajuda e outra, atrapalha. Uma luta contra o custo Brasil e a outra o fomenta.
DINHEIRO – Onde estão essas forças opostas que atrapalham o desenvolvimento do País?
ROCHA – Como empresário, não posso cometer a irresponsabilidade de acusar alguém, até para não ser alvo de represália. O que posso dizer é que, enquanto o governo concede a desoneração da folha de pagamento, outra força cria custos desnecessários. Eu acho que é o grande fator, talvez o mais importante, de fomento do custo Brasil.
Loja da Casas Bahia na favela da Rocinha, no Rio
DINHEIRO – No governo Dilma, esse aumento do poder regulatório do Estado tem crescido?
ROCHA – A preocupação com o custo Brasil é hoje muito maior. O governo tem promovido desonerações, o que é muito bom. Também colocou o dedo na ferida na questão das taxas de juros, coisa que nenhum governo tinha feito antes. Dizia-se que o mundo ia acabar se caíssem as taxas de juros, os juros caíram e o mundo não acabou. Paradoxalmente, enquanto se constrói tudo isso com as mãos, outros segmentos do Estado destroem com os pés.
DINHEIRO – Qual será o papel do sr. no IDV?
ROCHA – O papel do IDV é ser uma entidade que tenha interlocução com a sociedade brasileira e com os diferentes níveis do governo. O varejo é muito heterogêneo. Vai do camelô da esquina até a maior empresa do mundo. Isso leva a dois mundos opostos e a conflitos inexpugnáveis. O IDV decidiu que irá representar apenas o varejo empresarial formal, que vende com nota e registra seus funcionários. O IDV representa hoje 40% do varejo brasileiro e nosso objetivo é que passe a representar algo muito próximo de 100% brevemente. As outras entidades do setor cumprem um papel histórico, importante, mas são obrigadas a lidar com conflitos muito grandes. O conflito entre o formal e o informal é apenas um deles.