Reza a lenda…
Na área de gestão de negócios até muito pouco tempo atrás (duas ou três, talvez quatro décadas), as empresas do varejo de um modo geral, e quiçá as de moda, eram totalmente dominadas e pilotadas pelos tecnocratas financistas de plantão. Estes eram a “bola da vez” nas corporações; gente esta que registrava, calculava e controlava com louvor os resultados possíveis de valor das transações comerciais e, com isso, delineavam com precisão o presente e o futuro (futuro?) imediato das empresas. Tudo era sempre igual e “no vamo que vamo” dava certo mesmo, acredite se quiser…
Porém, tudo mudou. O mercado mudou. O lifestyle mudou. O cliente mudou. O comportamento de uso mudou. A vida mudou. Graças a T.I. (Tecnologia da Informação) e a V.G. (Velocidade da Globalização) o mundo ficou manjado. É certo que todos sabem, no planeta em tempo real, tudo o que todos curtem, tudo o que todos usam, tudo o que todos têm.
Resta saber se a indústria mudou, se o varejo mudou, se a empresa mudou, se a comercialização mudou, se a comunicação mudou, se o produto mudou, se a gestão mudou e, especialmente, se as nossas cabeças, enquanto empresários, mudaram. Os tempos, estes sim, mudaram e com eles a necessidade premente da mudança na maneira de pensar e agir do comando das corporações empresariais. Hoje em dia (conclusão óbvia), quem dá as cartas nas empresas são os pragmáticos estrategistas, pois estes é que foram eleitos pelo mercado como sendo os personagens principais do contexto econômico. Os financistas, extremamente competentes na sua área de atuação, se transformaram, pouco a pouco, em gestores administrativos operacionais. Ainda que importantes, sem dúvida, saudosistas e tradicionalistas que são, na carona, e atualmente rotulados de back office (salvo raríssimas exceções, é claro), contrariam o vedetismo dos tempos de outrora.
Final dos tempos? Penso que (ainda) não. Pressinto, sem presunção alguma, que estaremos vivos ainda para podermos presenciar outras radicais mudanças na maneira de pensar e agir do mercado e daí a imposição de mudanças nas empresas como um todo, sendo que as do varejo, e especialmente as de moda, com certeza, também estarão nesse barco. E sabe por quê? É simples. Inversão total de valores… Quem direciona mesmo o mercado, hoje em dia, é ele, o todo poderoso “consumidor final” (cliente, para os íntimos). E sabe qual é o mote dele quando sai às compras? “Me encante e eu te observarei… Me emocione e eu te perceberei… Me seduza e eu me entregarei…”. A conclusão, portanto, é obvia e ululante: Quem não adotar a mudança estará fora do jogo!
Entra em campo, a partir daí, um novo personagem. O seu nome é Visão Estratégica do Futuro com base na tecnologia, é claro, até o talo. Porém, todo cuidado é pouco. Há quem afirme, sem medo de errar, que visão sem ação é sonho; ação sem visão é delírio. Concordo em gênero, número e grau… A tecnologia é o caminho. A estratégia é o veículo. O Resultado de Valor é o objetivo final.
Uma nova realidade sob uma nova gestão…
Felizmente, está surgindo no varejo (no de moda idem) uma geração de gestores de alma nova e limpa, revolucionária até, mas sem vícios, cujo foco prioritário fica por conta das análises e avaliações de valor advindas de processos integrados eletronicamente (a tecnologia da informação explica), em contraste absoluto com os tradicionais e manjados “lançamentos” contabilizáveis nas chatérrimas e intermináveis planilhas de custos que sinalizavam tarefas e dados específicos mais parecendo um balancete de auditoria fiscal. Um porre de verdade verdadeira, porém, ainda existente em centenas de empresas pelo Brasil afora, infelizmente.
A realidade passa, obrigatoriamente, a ser outra bem diferente… O desafio é: saberemos identificar, através das novas ferramentas tecnológicas de ponta, quais os atributos e/ou atividades que agregam, realmente, valor de resultabilidade à empresa? Se sim, o que agregam, quando agregam, quanto agregam e como agregam? Mais do que isso… Saberemos identificar o custo do não desempenho de certas atividades e não apenas o custo (não seria valor?) do desempenho de ações outras? Saberemos quanto o resultado final poderá valer se advindo do processo estratégico e veloz da metodologia a la BSC (Balanced Scorecard) e não mais quanto custa para a empresa executar ações específicas de controle operacional? Saberemos dizer se a nova gestão, baseada na premissa do dever|saber (para daí saber|fazer para daí fazer|fazer, para daí fazer|ganhar, para só daí ganhar|render) irá capturar a noção de valor, noção esta atualmente, disseminada de fora-pra-dentro (do mercado para a empresa) e não mais oriunda de dentro-pra-fora (da empresa para o mercado)? Saberemos conviver com a velocidade espantosa da tecnologia para isso tudo e/ou tecnologia para aquilo outro? Saberemos conviver com a necessidade espantosa da estratégia para isso tudo e/ou estratégia para aquilo outro? Saberemos gerar e gerir o varejo de moda como arte e não como commodity?
Acontece que a dupla T.I. (Tecnologia da Informação) em parceria com a V.G. (Velocidade da Globalização), responsáveis diretos pelas mudanças, está ensinando, via “duras penas”, uma amarga e custosa lição às corporações de varejo. O dito popular de agora “Quem define o que é valor é o cliente, não mais ela, a empresa” está provocando convulsões e contorsões nos empresários de varejo. Sob a ótica dessa nova economia de mercado, tudo na gestão empresarial só tem sentido se tudo tem a ver com o processo de gerar valor em primeiro lugar para o cliente e, se possível for, para a própria empresa. Ironia ou não, a conclusão é simples: a tecnologia e a estratégia (responsáveis pela usina de valor) devem, portanto, ser analisadas, avaliadas e aplicadas conjuntamente até porque uma não vive sem a outra uma vez que são, paradoxalmente, gêmeas univitelinas. De, aparentemente, pares de opostos a, definitivamente, pares de aliadas, algo como “de braços dados como dois namorados”. Do perder|ganhar para o ganhar|ganhar. E, mesmo assim, essa conexão ou paridade de valores só terá resultância sob o comando da gestão de, basicamente, um único ícone numa nova realidade.
O futuro não é sobre tecnologia, é sobre estratégia…
Mas, convenhamos… Nem todos os gatos são pardos. O universo da Gestão Estratégica do Futuro é cruel, muito cruel. Vamos ter de entender, cedo ou tarde, e já não era sem tempo, que faturamento crescente, de fato, não quer dizer lucro crescente. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Vamos ter de entender, tarde ou cedo, a natureza íntima do que é gerar e gerir o resultado de valor. O velho axioma, desde os tempos do comércio sábio dos nossos avôs, nos faz lembrar que “vender muito não quer dizer, obrigatoriamente, vender bem”. Penso, então, que a estratégia está para o vender muito, assim como a tecnologia está para o vender bem. Hoje em dia o caminho mais curto para alavancar o valor é, sem dúvida, a estratégia em parceria com a tecnologia, ou melhor, uma proposta singular de valor (o muito e o bem juntos) é que passa a ser o centro das atenções no mercado de consumo como um todo – o de moda não é nada diferente, não mesmo. A bem da verdade, cada dia mais a tecnologia tende a se perpetuar como sendo um commodity enquanto a estratégia, cada vez mais, tende a se cristalizar como uma arte. A tecnologia é mecanicista. A estratégia é criativista (inventei esta expressão agora). A missão da tecnologia é baixar custo e o da estratégia é aumentar valor. Cada panela com a sua tampa, como já dizia minha mãe.
Quando menciono a estratégia, estou pensando num conceito relevante de negócio (algo como o core business de uma empresa), atual como nunca, porque é o que sempre definiu (e vai continuar definindo), enrustidamente ou não, o sucesso ou o fracasso de uma gestão empresarial. Enquanto a tecnologia está para uma empresa como uma ação de atributo obrigatório (ai de quem não tem), a estratégia se apresenta como uma ação de virtude obrigatória (ai de quem não é capaz).
O futuro, portanto, já não está mais apenas sob o comando das mãos dos tecnocratas (os administradores financistas, lembra?). Com certeza, o futuro (via de regra, construído no presente) já está também sob o comando dos neurônios dos estrategistas, mestres que são em exalar a razão travestida de emoção… Ademais, o que o cliente quer mesmo comprar e usar nos tempos de hoje já não é mais uma calça, uma camiseta, um vestido, uma bolsa, um sofá ou uma geladeira, um relógio, um óculos, uma gravata, uma echarpe de seda pura ou uma jóia de alto valor agregado e percebido. O que ele quer mesmo é comprar um momento de pura emoção: uma idéia, um status, um encanto, um estilo de vida, um símbolo de sucesso e poder (a marca) é o que ele quer, de fato, comprar (o intangível). Este cliente já não quer mais parecer “o outro”; ele quer, de verdade mesmo, parecer “um outro” (a semiótica explica) desde que “produzido” por um produto (o tangível) assinado por uma marca de prestígio emocional (personalidade + reputação + ressonância), numa loja de prestígio emocional, com um atendimento de prestígio emocional, para um comportamento de uso de prestígio emocional.
Penso até que, sofisma ou falácia à parte, curiosamente, no fundo no fundo, a emoção pró-uso é tão forte tão forte que impele o cliente a comprar o que ele não precisa, (até mesmo) na loja que ele não curte, com o dinheiro que ele não tem, para mostrar a quem ele não gosta aquilo que ele não é! Eu, hein!!!
É cruel, muito cruel…
O resumo conclusivo, cruel mesmo, é encarar o fato de que no varejo o valor agregado da tecnologia tende a um custo zero. Paradoxalmente (ou não), o valor percebido da estratégia tende a um custo infinito. O commodity é precificado (é tangível); a arte não tem preço (é intangível). A tecnologia (insumo que é) ficou manjada e invariavelmente, já faz parte da alma das pessoas em todo o mundo (quase todos) e, por isso mesmo, não surpreende mais, não mais arranca arrepios. É mesmice total…
A estratégia (produto acabado que é) rouba a cena e assina o espetáculo. Sendo assim, a tecnologia não pode servir mais de base para diferenciar nenhuma empresa e|ou marca no mercado de consumo. A estratégia sim. O que é da obrigatoriedade da tecnologia nunca será virtude. A da estratégia sim. A massificação é, sem dúvida, o caminho mais curto para a comoditização. A estratégia não. A imaginação (insumo da estratégia) é, com certeza, o caminho mais curto para a diferenciação – daí nasce a arte. A tecnologia não. A estratégia lidera; a tecnologia acompanha. A tecnologia constrói; a estratégia controla. A estratégia é para poucos; a tecnologia é para todos. A estratégia atende o desejo; a tecnologia atende a necessidade. A estratégia constrói o fato; a tecnologia administra o fato. A estratégia cria; a tecnologia faz. A estratégia sonha; a tecnologia realiza. A tecnologia registra; a estratégia sinaliza. A tecnologia cultua o óbvio; a estratégia cultua o design; A tecnologia racionaliza; a estratégia emociona. A tecnologia encanta; a estratégia seduz. A tecnologia é de Marte; a estratégia é de Vênus. A tecnologia faz sexo; a estratégia faz amor.
Quando o mais não seja…
Toda e qualquer empresa e|ou marca e|ou loja, independente de idade, fama e tradição, precisará se apresentar ao mercado como sendo exclusiva, diferenciada, única e irresistível, estratégica e tecnologicamente, para poder assim e só assim encontrar um lugar ao sol (este nasceu pra todos), ou melhor, um lugar à sombra (esta é a moradia dos competentes).
A Gestão Estratégica do Futuro é invisível aos olhos. A Gestão Tecnológica do Futuro não. Quem viver verá!!!
por Edson D’Aguano para World Fashion + Varejo